HISTÓRIA


Tudo começou em 1980. Desde então, o Festivale — Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha — reúne anualmente artistas, cantadores, atores, folcloristas e inúmeros apreciadores da cultura para uma grande festa popular. São feiras de artesanato e folclore, cursos, oficinas de teatro, artes plásticas, regadas com muita música, teatro e dança.
O Festivale foi idealizado no final dos anos 70, com o objetivo de manter e preservar a cultura do Vale do Jequitinhonha, através do jornal Geraes, criado em março de 1978 por jovens universitários residentes em Belo Horizonte, “filhos do Vale”, e integrados ao movimento estudantil, que incluíam Aurélio Silby, Carlos Figueiredo, George Abner e Tadeu Martins. A proposta colocada pelo jornal era: “dar voz e vez aos trabalhadores da região e mostrar o homem do Vale, suas realizações, seus sonhos e sua luta por melhores condições de vida”. Isso levantou a discussão política e cultural no Vale.
Tadeu Martins, um dos idealizadores do Festivale, conta um pouco sobre o início do movimento: “Em novembro de 1979, o jornal promoveu o ‘1º Encontro de Compositores do Vale do Jequitinhonha'. Eram 22 compositores de 15 cidades da região, que nunca tinham se encontrado para mostrar suas canções. O evento deu tão certo que, em pouco tempo, virou o Festivale, para ser a reunião anual de todas as manifestações culturais da região: músicos, poetas, artesãos, congadeiros, foliões, batuqueiros, escritores, repentistas, cantadores e contadores de ‘causos', escrevendo juntos A vida do Vale em verso e viola.” Segundo Tadeu “é preciso que o Vale se conheça. Só quem conhece, gosta. Só quem gosta, defende. Só quem defende, divulga. E é divulgando que defendemos, porque gostamos e conhecemos, e assim vamos ajudar a desenvolver o Vale do Jequitinhonha.”
Esse encontro foi tão importante que, no momento seguinte, com grande êxito, os participantes percorreram cidades mineiras apresentando um show, cujo cartaz causou grande polêmica ao exibir fotos 3x4 dos participantes sob o título de Procurados, à maneira de como a polícia, em plena ditadura militar, tratava os revolucionários obrigados a viver na clandestinidade.
Hoje, a falta de incentivos em termos de recursos e o premeditado silêncio dos monopólios dos meios de comunicação encerram outro tipo de perseguição, mais sofisticada e cruel, às manifestações artísticas do povo, fechando as portas para os verdadeiros divulgadores da melhor literatura e arte.

O CRESCIMENTO DO FESTIVALE

Inicialmente foi um festival de música, onde cantores e compositores, até então desconhecidos, puderam mostrar seus trabalhos, revelando ao povo brasileiro grandes talentos, como Paulinho Pedra Azul, Tadeu Franco, Saulo Laranjeira, Rubinho do Vale, Pereira da Viola e tantos outros.
Nos anos seguintes, o festival de música foi se abrindo a outras formas de cultura. As feiras de artesanato se fizeram acompanhar das mais diferentes manifestações folclóricas da região, guardiãs das histórias vivas do povo. Em seguida, passa a contar com equipamentos e cursos para trabalhadores rurais. E assim, veio também a “noite literária”, um concurso de poesias de autores do Vale. Num dado momento, o festival obteve de tal forma as simpatias e o apoio do povo da região, que chegou a contar com mais de cinco mil participantes, como no festival de Medina.
A cada ano o evento ocorre em uma das 85 cidades que compõem o Vale, e já percorreu 17 dessas cidades, revelando grandes talentos, muitos deles já compondo o elenco de personalidades da literatura e da arte brasileira, cantando a vida do povo, suas dificuldades e suas conquistas.

INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA

Distante da capital, com uma população que tem origem entre os camponeses, a região, como tributária de toda opressão das metrópoles, faz preponderar um folclore legado de geração a geração, com raízes fortes e profundas. Apesar do alcance da cultura urbana pelos meios de comunicação de massa, as tradições e o folclore teimam em se manter vivos, mesmo nas cidades. Isso pode ser observado nas diversas músicas de domínio público que os intérpretes gravam constantemente, a exemplo do Coral das Lavadeiras de Almenara, um CD organizado por Carlos Farias, onde as trabalhadoras interpretam as músicas, em sua maioria de domínio público, cantadas na labuta diária nas margens do Rio Jequitinhonha. Ou ainda, o artesanato de barro ou madeira, materializando as feições de um povo sofrido, que tanto luta pela sobrevivência.
O Festivale levanta questões sociais e políticas que remetem diretamente às condições de vida da população. Ele é um instrumento de resistência contra a política de destruição da cultura popular. Apesar das dificuldades para sua produção, ele resiste ano após ano. E vem crescendo, alimentado pela força destas populações, tornando-se capaz de impulsionar cada vez mais a vontade de resistir e lutar pela chama dessa rica cultura. O Vale do Jequitinhonha, tão aclamado com o slogan de “Vale da Miséria” apenas para fazer alardes sobre a pobreza e nunca para resolvê-la, jamais tem as suas verdadeiras qualidades exaltadas — como a sua literatura e arte — pelos governos e pelo monopólio das comunicações.
No Vale é fácil perceber que o folclore e a cultura popular não são coisas mortas, imóveis, velhas, manifestações do tempo dos avós, que não existem mais. Ao contrário, são parte da vida do povo, na sua origem e nos seus costumes. Embora estejam em transformação constante, são permanentes. São a expressão da vida e da coragem do povo pela luta diária. A realização do Festivale externa o que existe no cotidiano de uma região brasileira. Mostra o trabalho do povo do Vale e do povo brasileiro. Não é arte que agrada somente aos velhos, mas também a moços, crianças e adolescentes. Nacional, tipicamente brasileira, forjada nas dificuldades da resistência no campo e nas pequenas cidades e, apesar da massificação da enlatada cultura ianque, resiste bravamente.

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